"Não só houve comunicação com os licitantes, a evidência de fluxos de dinheiro relativos à autarquia de Joanesburgo mostra que milhões de rands em doações que foram feitas, antes e depois de certos contratos serem celebrados”, refere a primeira parte do relatório sobre a corrupção durante a presidência de Jacob Zuma, entre 2009 e 2018, divulgado pela comissão judicial ‘Zondo’.
"Os ‘e-mails’ mostram que um mês antes da atribuição de um determinado contrato, o sr. Makhubo [na altura presidente da Câmara de Joanesburgo] solicitou à (empresa tecnológica) EOH um donativo para o ANC. Uma semana após a assinatura do contrato, o sr. Makhubo pediu outra doação. Digno de nota foram os 50 milhões de rands (2,7 milhões de euros) doados ao ANC para as eleições autárquicas de 2016”, lê-se no relatório.
"Os registos mostram uma série de pedidos de doações que coincidiram com a adjudicação de contratos”, refere a comissão de investigação sul-africana.
O juiz Raymond Zondo, que ouviu desde Agosto de 2018 mais de 300 testemunhos sobre corrupção pública generalizada no país, salientou que estes casos "ilustram o envolvimento de altos funcionários do governo (incluindo o ex-presidente e membros do executivo) em relacionamentos questionáveis, para dizer o mínimo”.
"A má conduta permeou as administrações das empresas públicas (SOES, na sigla em inglês) e também implicou altos funcionários administrativos”, referiu Zondo, salientando que "na maioria, senão em todos, desses casos, o padrão de abuso estendeu-se por vários estágios do ciclo de aquisições, evidenciando um relacionamento de corrupção embutido” no sistema público.
Nesta primeira parte do relatório, com mais de 800 páginas, o juiz sul-africano considerou ainda que as acções dos dirigentes do ANC governante "ilustram o uso da influência política para propósitos malignos, a nomeação de funcionários flexíveis para supervisionar a concessão indevida de propostas ou contratos, ‘bullying’ ou substituição de funcionários que se opuseram a práticas irregulares, o desvio de dinheiro, como produto da corrupção, em benefício do ANC, o colapso da governação das SOES, falta de transparência, e o crescimento de uma cultura de impunidade” no país.
"É extremamente preocupante que as provas apresentadas na comissão estabeleçam uma relação entre a concessão corrupta de contratos públicos e o financiamento do partido político. Esse vínculo pode representar uma ameaça existencial à nossa democracia”, observou o juiz sul-africano.
"Vinte anos de frustração, que incluem uma década de captura do Estado, expuseram impiedosamente as falhas e fraquezas do sistema de compras públicas, falhas e fraquezas que foram exploradas por criminosos para infligir danos duradouros à economia sul-africana. A promessa de prestação de serviços tão fundamental para a melhoria da nossa sociedade não se concretizou”, salientou.
A comissão judicial ‘Zondo’ foi criada em Janeiro de 2018 na sequência de um relatório sobre corrupção intitulado "Captura do Estado”, da autoria da então procuradora-geral da República (PGR) Tuli Mandonsela, divulgado em Outubro de 2016.
O relatório teve por base uma investigação que Mandonsela conduziu sobre várias alegações de conduta imprópria por parte do então Presidente sul-africano Jacob Zuma, e da família Gupta, segundo a comissão ‘Zondo’.