O juiz do caso das dívidas ocultas, Efigénio Baptista, indeferiu um requerimento da Ordem dos Advogados de Moçambique (OAM) para ouvir o Presidente da República, Filipe Nyusi, como declarante no caso das "dívidas ocultas".
A OAM pediu a audição porque Filipe Nyusi era ministro da Defesa à data dos factos constantes no processo.
"Dos membros do comando conjunto, o antigo ministro da Defesa é o único declarante ouvido em sede de instrução" cujas declarações "não estão previstas para serem confirmadas nesta audiência", justificou Vicente Manjate, representante da OAM.
Porém, o juiz afirmou que "a diligência requerida não contribui para a descoberta da verdade" e retardaria "o andamento do processo.
Em declarações à DW África, o jurista Job Fazenda diz que, mesmo que Filipe Nyusi quisesse, a lei moçambicana não permite que o Presidente da República
compareça em tribunal, para prestar declarações. Ainda assim, poderia fazê-lo por escrito.
Segundo Fazenda, "todos os cidadãos têm a obrigação de prestar informações relevantes para esclarecer um processo que corre", e o pedido da OAM para chamar Nyusi a tribunal faz "algum" sentido.
DW África: O pedido da Ordem dos Advogados de Moçambique para ouvir o Presidente Filipe Nyusi tem lógica?
Job Fazenda (JF): Tem alguma lógica, olhando para a função que o atual chefe de Estado exerceu anteriormente, porque, de alguma forma, o Ministério da Defesa teve alguma participação nesse processo. Os serviços [contratados] eram também para beneficiar as Forças de Defesa e Segurança (FDS).
DW África: O facto da OAM ter requerido a audição de Filipe Nyusi não ultrapassa as competências estabelecidas nos estatutos da Ordem?
JF: A Ordem, enquanto assistente no processo, pode solicitar qualquer diligência para produção de prova. Acredito que é com base nisso que eles solicitaram esta audição.
DW África: Portanto, há indícios suficientes de que o Presidente da República esteja, de alguma forma, implicado no caso?
JF: Isso já não posso afirmar, porque o processo de contração da dívida foi feita pelas empresas, e o ex-ministro da Defesa não geria as empresas. Quem geria a empresa era um PCA e o Conselho de Administração, que também estão sendo ouvidos nesse processo. Ao chamar o atual Presidente para ser ouvido, seria na qualidade de declarante.
DW África: Mas a Lei moçambicana estabelece que o Presidente da República goza de imunidade...
JF: A Lei estabelece determinadas limitações por conta da imunidade que o atual Presidente da República tem à luz da nossa Constituição. Ele não pode ser ouvido em sede do tribunal quando está em exercício pleno de funções.
DW África: Em teoria, essa imunidade permite que ele rejeite comparecer em tribunal?
JF: Não, não se trata de uma questão de aceitar ou rejeitar. A lei estabelece que todos os cidadãos têm a obrigação de prestar informações relevantes para esclarecer um processo que corre, e, pelo que conheço, o Presidente seria a primeira pessoa a querer esclarecer este processo.
DW África: Se o Presidente da República comparecesse em tribunal, isso beliscaria a sua imagem pública? Poderia ser perigoso para a sua possível reeleição?
JF: Não, ele não tem como comparecer, ainda que ele queira. A Lei não permite que ele faça a comparência presencial.
Mas também tem que ficar claro que o facto de alguém ser chamado a tribunal para prestar declarações não significa que a pessoa é culpada, existe o princípio da presunção de inocência. E ele não está a ser acusado de nenhum crime, estaria lá para prestar declarações relevantes em função do ofício que teria exercido antes. Então, não acho que isso belisque a sua imagem ou coloque em causa a sua posição. Se ele estivesse a ser acusado da prática de um crime, aí a coisa já seria diferente. Naturalmente que isso afetaria a sua reputação.
DW África: É imaginável que o ministro da Defesa não soubesse de nada do que estava a acontecer?
JF: Não, não podemos afirmar isso nesta fase. Por isso é que o tribunal e a Procuradoria estão a fazer o trabalho de investigação, para apurar quais são as pessoas envolvidas. Agora, não saber do processo de contratação... provavelmente, seria muito difícil ele não saber.
DW África: Mas, na sua opinião, Filipe Nyusi não sabia o que estava a ser contratado ou como estava a ser contratado, na altura?
JF: Acredito que seria muito difícil que ele tivesse todos os detalhes sobre os contornos da contratação, até porque ele é [citado como] o "Novo Homem". Quando o processo iniciou, ele nem estava lá. É alguém que apareceu superveniente. Então, não podemos assumir que o papel dele teria sido preponderante na contratação.
Fonte: DW