Foi apresentado esta segunda-feira (06.12) em Maputo um estudo intitulado "Causas e Determinantes do Conflito em Cabo Delgado e o seu Impacto na Vida das Mulheres", elaborado pelo Centro de Estudos Estratégicos da Universidade Joaquim Chissano em parceria com a ONU Mulheres.
Embora as violações sexuais tenham sido pouco reportadas na maioria dos centros de acolhimento de deslocados internos, a situação é diferente em Metuge, segundo Egna Sidumo, uma das autoras do estudo e especialista em prevenção de extremismo violento.
No norte de Moçambique, a insurgência empurrou a mulher para circunstâncias onde os direitos humanos são menos respeitados, diz Sidume em entrevista à DW África.
DW África: Em condições normais, os direitos das mulheres não costumam ser devidamente respeitados em Moçambique. Isso piora em contexto de guerra em Cabo Delgado...
Egna Sidumo (ES): Obviamente que sim. A vida das mulheres em situação de paz já é caraterizada por vários desafios, quer seja por razões culturais, religiosas ou de qualquer outra índole. E isso acaba piorando em tempos de conflitos. Uma das evidências é que todos os centros [de acolhimento] têm cerca de 70% a 80% de mulheres, mas, por exemplo, as representações das lideranças desses centros não reflete de forma nenhuma esta representação maioritária. Temos milhares de crianç
as e mulheres, mas a estrutura de liderança do centro não integra estas mulheres. Como é que as reuniões feitas pelas lideranças se refletem no dia a dia destas mulheres? Como as necessidades delas são atendidas, se elas são a maioria mas não estão representadas? E são as primeiras que lidam com os parceiros e autoridades para fazerem chegar as suas reclamações.
Esta é uma preocupação clara que demonstra que há muita dificuldade para perceber a importância de integrar as mulheres, não necessariamente por causa do número, mas porque são a maioria. Isso significa que todas as necessidades do centro passam por entender todas as necessidades da mulher. Deveríamos ter dois a três parceiros que estivessem diretamente concentrados nas mulheres, na questão da dignidade, do planeamento familiar, atendimento psicossocial e outros desafios.
DW África: Nos centros de deslocados, há condições de segurança para as mulheres, para que não sejam violadas, agredidas e para que tenham também um acesso a comida, bens e serviços igual aos homens?
ES: Violações sexuais foram muito pouco reportadas no trabalho que fizemos, mas há um distrito em particular onde o número de violações sexuais aumentou, segundo as autoridades do distrito de Metuge, onde estão um número significativo de centros, e também foi o primeiro centro. Tivemos a informação de que nesse centro registou-se um aumento de violações sexuais. E sim, encontramos violência doméstica, um pouco por caus
a da pressão a que estão expostos os homens, sem muitas opões de trabalho. Mas talvez seja também uma questão cultural. Devo recordar que ainda não fizemos análise dos dados para perceber porque a violência doméstica está lá. Este é o resultado de cerca de 500 grupos focais que fizemos com mulheres, onde reportaram até que a violência doméstica é normalizada. Agora, uma grande preocupação são as violações sexuais, que em todos os centros não tivemos grandes relatos, mas violência doméstica, sim.
Fonte: DW