-Manuel de Araújo sobre a actuação da polícia contra manifestantes
- “A nossa oposição é dorminhoca e a juventude é amorfa”
- “Eu, sinceramente, estou triste com a política nos três maiores partidos”
Numa entrevista de pouco mais de 50 minutos, o presidente do Município de Quelimane e um quadro sénior da Renamo, Manuel de Araújo, que recentemente foi impedido pela polícia de pedalar com embaixadores na autarquia que dirige, declarou que as constantes manobras de limitação da liberdade de manifestação devem-se ao facto do chefe do Estado, Filipe Nyusi, ser uma pessoa insegura com os seus conhecimentos e como político, por isso sempre precisa de exibir força para meter medo. Sobre a actuação da polícia para limitar as liberdades dos cidadãos, Araújo diz que a corporação ainda rege-se por regulamentos do tempo do mono partidarismo, recebem comandos do partido no lugar de seguir a lei. Nas entrelinhas, coloca o dedo na ferida e assume que a oposição moçambicana está dorminhoca e vê nos jovens uma força amorfa.
Reginaldo Tchambule
Não podíamos iniciar a nossa conversa sem antes perguntar como está a gestão municipal em Quelimane, num contexto de pandemia e uma economia praticamente adversa?
– A gestão municipal está boa e eu acho que se recomenda. Agora, se me perguntar se estou satisfeito, eu diria que não, ainda não atingimos aquilo que eu queria para Quelimane. Hoje, 07 de Dezembro, celebro 10 anos, porque foi a 07 de Dezembro de 2011 que os munícipes de Quelimane votaram-me e decidiram se libertar do jugo frelimista e desde lá até agora tem sido consistente esse pensamento.
Portanto, agradeço esta entrevista porque foi a 10 anos que aconteceu. É um dia especial, que gostaria de estar com os meus munícipes, mas sou vice-presidente da Mesa do Conselho Nacional da Associação Nacional dos Municípios, por isso estou cá (Cidade de Maputo), numa reunião do Conselho Nacional e não pude estar com os munícipes, mas a minha vontade era mesmo de estar com os meus, mas teremos no dia 30 de Dezembro, no dia que celebramos a minha tomada de posse, vamos celebrar.
10 anos depois, o teu sonho para Quelimane está realizado?
– Claramente que não. Como sabem, as Dívidas ocultas criaram uma péssima imagem para Moçambique e a nossa estratégia de desenvolvimento contava não só com recursos internos, mas também com recursos externos e quando a imagem do país fica suja, as pessoas deixam de confiar no moçambicano entanto que tal. É verdade que as grandes empresas de gás não se preocupam com isso, mas as pequenas e médias empresas, os outros municípios têm certo receio, porque as dívidas ocultas mexeram com a confiança em relação ao país.
Muitos bolsos se fecharam. Agora estamos a sobreviver com recursos internos, mas mesmo assim demos passos gigantescos em relação a aquilo que tínhamos traçado como prioridades, com destaque para a área de infra-estruturas. Em quase todos os bairros, hoje, tem estradas novas ou em pavé ou em alcatrão, melhoramos a sinalização horizontal e vertical, mas também demos um passo ímpar, que é a construção da primeira ciclovia de Moçambique, que é para dar segurança e comodidade aos nossos munícipes que andam de bicicleta. Como sabe, Quelimane é a capital da bicicleta.
O desafio nos próximos anos é transformar Quelimane na capital da cultura de Moçambique e sonhamos em nos tornar na capital da bicicleta e mobilidade urbana em África. Temos feito vários contactos, quer com diplomatas cá, quer com diplomatas moçambicanos no estrangeiro, no sentido de nos ajudarem a ultrapassar essa imagem negativa que existe em relação ao nosso país.
Recentemente, apresentou o plano estrutural de desenvolvimento de Quelimane. Já se começou a vender o plano?
– Ainda não começamos a vender. Estamos a estabelecer parcerias, digamos informais, porque estamos a espera da carta de conformidade do Ministério da Terra e Ambiente, que já devia ter sido enviada, porque já temos todos os documentos preparados para submetermos ao Ministério da Administração Estatal para a sua homologação, Mas se essa carta não aparecer nós vamos submeter ao Ministério e depois ficam lá a gerir entre os ministérios.
O plano de estrutura é a bússola de desenvolvimento de infra-estruturas de qualquer cidade. E no caso em concr
eto é a bússola de Quelimane, porque quando tomamos posse não havia um plano. O plano que encontramos já havia expirado o prazo em 2009 e levamos todo esse tempo a desenhar o nosso plano, conseguir angariar fundos e compreender a funcionalidade do mesmo, porque nós não queríamos só um simples plano de infra-estruturas, mas queríamos um modelo. Portanto, fui ao Ruanda e fiquei impressionado com Kigali, que é uma cidade modelo em África e no mundo, mas em conversa com os gestores lá, disseram-me que nós nos inspiramos em Singapura, e sem mais fui a Singapura, para perceber o modelo.
O nosso sonho é ser Kigali de Moçambique e a Singapura de África e acho que se não fossem as dívidas ocultas já estaríamos muito adiantados.
Herdou o município de Quelimane com vários desafios. Em 10 anos conseguiu limpar a cidade que chegou a comprar ratos?
– Quando assumimos a cidade estava cheia de lixo, cheia de buracos e ciclicamente todos anos nós tínhamos cólera em Quelimane. Como bem disse, o município chegou a comprar rato dos munícipes, mas agora há mais de sete anos que não temos cólera em Quelimane. O pessoal não percebeu que o problema de ratos na cidade tinha a ver com problemas de saneamento e em vez de usar o dinheiro que havia para limpar o lixo, gastava-se esse dinheiro a comprar ratos.
Estavam preocupados com os sintomas e não com o problema. E quando nós entramos, transformamos o lixo em recurso sólido. Hoje nós transformamos o lixo em adubo, que posteriormente é entregue aos munícipes como fertilizante que ajuda a aumentar a produção e produtividade.
Isso nos ajuda a resolver o problema da desnutrição, pois, apesar de serem altamente produtoras, as províncias de Nampula e Zambézia têm mais de 52 por cento da população desnutrida. Estamos a trabalhar com vários parceiros europeus e globais para reduzir a subnutrição e limpar a cidade.
“A nossa polícia ainda rege-se por regulamentos do tempo do mono partidarismo”
Recentemente, teve um episódio em Quelimane, em que foi impedido de passear de bicicleta na sua própria cidade. Qual é o relacionamento que tem com as outras estruturas do poder ao nível da Zambézia?
– Com o actual administrador o relacionamento é 100 por cento. Com o actual governador e com a secretária de Estado também o relacionamento é a 100 por cento. Com esses eu não tenho problemas, o meu problema é com a polícia. A nossa polícia ainda é partidarizada e rege-se por regulamentos do tempo do monopartidarismo, recebem comandos do partido no lugar de seguir a lei.
Eu perguntei ao chefe da ordem, qual é a Lei que me proíbe de andar de bicicleta e qual é o comando jurídico que cobre a sua acção. Para o meu espanto, disse-me que não estou preocupado com as leis. Eu recebo ordens superiores. Então, neste país há uma lei chamada ordens superiores que eu não conheço. Pelo contrário, a Constituição da República postula que ninguém é obrigado a obedecer ordens ilegais. Portanto eu estou à espera de uma responsabilização daquele chefe da ordem.
Aliás, nós metemos uma queixa na procuradoria da província e outra na procuradoria da cidade. A polícia disse-me que não tinha autorização e eu perguntei a eles: afinal, quem manda nesta cidade? Infelizmente, quanto mais longe de Maputo, menos democracia existe. Ainda há distritos neste país onde vive-se o monopartidarismo, onde o primeiro secretário da Frelimo manda no administrador, manda no enfermeiro e em todos. Isso é inaceitável, isso não é típico de um Estado de direito democrático.
Ainda esta semana, a polícia voltou a repelir uma manifestação de mulheres…
– A minha pergunta é: onde está a Procuradora-Geral da República, quando outras mulheres são violentadas e ela cala-se. Essa atitude da polícia não é de hoje. Eu já relatei uma série de episódios da polícia. Em 2018, queimaram a casa da minha mãe e a PGR não fez nada; em 2019, a polícia disparou contra o pneu do meu carro e a procuradoria não fez nada; na altura do governador Rasak, a polícia violentou as senhoras do MDM porque participaram num evento com bandeiras do partido, curiosamente ao lado estavam jovens da Frelimo empunhando bandeiras da Frelimo e não aconteceu nada. E o senhor que ordenou essa acção foi promovido Comandante da UIR, ou seja, os que violam a constituição são promovidos.
“O problema é que o nosso chefe do Estado é inseguro”
A Covid-19 tem sido usada como pretexto para repelir manifestações, contudo desde a tomada de posse do Presidente Nyusi, apenas OJM e OMM, órgão
s sociais do partido Frelimo, têm sido os únicos movimentos que ainda gozam o direito à manifestação.
– A situação está a piorar. O problema é que o nosso chefe do Estado é inseguro. É inseguro com os seus conhecimentos, é inseguro com os seus técnicos e é inseguro com como político, então, uma pessoa insegura precisa sempre de exibir força para meter medo. É um problema de insegurança do chefe do Estado. A OMM e a OJM marcham todos os dias, aliás, um dia antes de me proibirem de marchar em Quelimane, o senhor Eduardo Mulembwe e a senhora Ana Rita Sitole marcharam com mais de 500 jovens em Milange.
Então quer dizer que neste país há pessoas especiais, capazes de privatizar as manifestações. Há uns que têm direito e outros que não. Isso não é um Estado de direito democrático.
E diante deste cenário, quais são as saídas que nós como sociedade temos?
– A saída é você escrever o que eu estou a dizer como eu disse, sem pintar. Prenderam mulheres? Amanhã devia haver mais mulheres na rua, o problema é que nós todos somos covardes, prendem um aqui e outros não vão lá. Quando prendem as mulheres, as mulheres deviam sair todas à rua em um número ainda maior. Não hão de nos matar a todos nós. É impossível.
Por exemplo, aquele miúdo, Max Love, foi baleado pelo ajudante de campo do governador Veríssimo, que disparou quando o miúdo estava num camião em movimento, a cantar com um micro, só que por azar ele trazia uma camisa de campanha como a minha.
Acha que você era o alvo e a intenção era te eliminar?
– Não tenho dúvidas. Eles pensaram que era eu que estava no micro e aquele que atirou é um profissional porque a bala entrou entre os dois olhos. Não é um “gajo” qualquer que num camião em movimento acerta na testa. Onde as pessoas são silenciadas não tem como ser um Estado de direito democrático. Quantas pessoas foram assassinadas pelos esquadrões da morte e quem saiu à rua? Todos nós somos coniventes, incluindo vocês como jornalistas (risos). Há provas factuais de que os esquadrões da morte estão dentro da polícia.
“A oposição está dorminhoca”
Como é que olha para a actualidade política nacional?
– Eu, sinceramente, estou triste com a política nos três maiores partidos. É triste o que está a acontecer na Frelimo, na Renamo e no MDM. Não havia necessidade para o MDM se dividir. No primeiro Congresso do MDM apresentei a sugestão de existir a figura de vice-presidente, que podia evitar aquele tipo de crises, porque era só ele assumir. Este país precisa de um MDM forte, mas é aquilo que estamos a ver. Vão se dividir, vai enfraquecer. O MDM já era um partido que era conotado com a família Simango e com os Ndaus, mas tinha um secretário-geral Cena, que saiu com os apoiantes dele, então vai ficar um partido da família Simango, um partido da Beira e Ndau. A não ser que Lutero mude e consiga trazer de volta outras pessoas.
Mas também podia falar da Renamo. A Renamo anda muda, não fala e há muito silêncio na liderança. No caso do incidente de Quelimane com as embaixadoras, apenas o parlamento falou, mas o partido não é só a bancada, tem o secretariado e tem a presidência, que simplesmente não disseram nada. Este era um assunto sério porque tratava-se de um problema com diplomatas. Havia três coisas: a violação de direitos de um cidadão moçambicano e membro do partido, tratava-se de um edil eleito pelo partido e foram violados direitos de diplomatas, que estão protegidas por via do acordo de Viena.
E que cenário vislumbra para as duas próximas frentes que se avizinham? Falo das eleições autárquicas e gerais.
– A oposição tem que se organizar e se tornar mais democrática, tem que estudar formas de fazer alianças. As alianças podem ser antes das eleições ou depois. Isso depende, mas tem que haver uma frente comum dos patriotas e nacionalistas deste país para resgatarmos a soberania do país, que foi vendida.
Desde 1984 quem dirige a economia deste país não são os moçambicanos, mas sim especialistas do Banco Mundial e do FMI. Agora, o sector da defesa não somos nós que mandamos, é o Kagame. A soberania já não está connosco. A maior vergonha para mim nem foi essa, foi os ruandeses terem tomado Mocímboa da Praia sem disparar nenhum tiro e a maior humilhação foi o que se viu no dia 25 de Setembro, quando os nossos militares foram substituídos por ruandeses e para terem acesso à base naval foram revistados por militares do Ruanda. O nosso sector da defesa tem que ser refundado.
E concretamente, que cenário prevê com esta oposição?
– A posição está num sono profundo. Tem que acordar, se é que tem algum sonho.
Há quem acredita que o regime actual está empenhado a aniquilar a oposição…
– Qualquer regime a sua função é aniquilar a oposição, portanto o regime faz a sua parte. Cabe a juventude fazer a sua parte. As ligas das juventudes dos partidos da oposição devem pressionar as lideranças para acordarem.
Falando em juventude. Como analisa os jovens da actualidade?
– A nossa juventude é amorfa. Nós quando éramos jovens de verdade obrigamos o governo a criar o Ministério da Juventude, porque queríamos que houvesse um assento no Conselho de Ministros para a juventude. E mais, a minha geração conseguiu tirar a OJM da Frelimo. Numa reunião na Matola nós dissemos, se é organização da juve
ntude moçambicana tem que englobar todos os moçambicanos e isso aconteceu durante cinco anos, mas depois voltou. Nós conseguimos criar o Conselho Nacional da Juventude para ser a voz dos jovens, mas hoje os jovens são tão fracos que entregaram o CNJ à OJM.
Que tipo de futuro se pode vislumbrar com uma juventude como esta?
– Nós temos que formar a nova juventude.
Acredita numa juventude que se entregue à luta e ao sacrifício, sem pensar no “tacho” e na acomodação?
– Os jovens passam a vida a beber e a bajular os dirigentes e não tem agenda de nação, mas tenho esperanças que ainda é possível mudar. Sou optimista.
Fonte: Evidencias