Num relatório publicado esta segunda-feira (20.12), o CIP pretende mostrar como "a guerra de milhões pelos concursos de procurement paralisou o processo de importação de medicamentos durante mais de dois anos, o que provoca ruptura de stock e coloca em risco de vida milhões de moçambicanos".
A organização tem vindo a monitorizar os concursos públicos lançados pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS). Um dos relatórios feitos anteriormente revela a existência de uma rede de negócios relacionados com o fornecimento de equipamento hospitalar. Noutro são apresentados os altos riscos de corrupção que acarreta o recurso ao regime excecional de contratação pública no período da pandemia de Covid-19.
A 14 de dezembro de 2018, o diretor nacional da Central de Medicamentos e Artigos Médicos (CMAM), António Amade Amisse Assane, foi autorizado a lançar um concurso público para a contratação de uma empresa para o fornecimento de material médico-cirúrgico de grande rotação ao Serviço Nacional de Saúde Pública.
Este concurso foi avaliado em cerca de 5.038 mil dólares, que equivale a cerca de 374.847 mil meticais, ou seja, 4.469 mil euros no câmbio atual.
Empresas escolhidas com preços mais altos
Trata-se de uma violação na lei do procurement, segundo o CIP. A Neopharma é detida por Abdulah Seedat, Mahomed Esuf e Ebenizário Ében Silvestre Bila, este último conhecido pelas fortes ligações ao partido Frelimo. A empresa submeteu uma reclamação ao gabinete do ministro da Saúde por não lhe ter sido adjudicado o concurso de fornecimento de fios de sutura.
A 4 de maio de 2020, a Inspeção Geral de Saúde (IGS) entrou em contacto com o CMAM, que resultou num relatório intitulado de "Memorando", datado de 3 de setembro de 2020. No documento, os lotes em referência foram adjudicados à empresa Tecnologia Hospitalar e Laboratorial Moçambique (THL), sendo o seu preço quatro vezes mais elevado que as empresas com o menor preço cotado.
A decisão foi feita "sem a devida fundamentação do júri", o que contraria o artigo nº 37 do Regulamento de Contratações Públicas, lembra o CIP. A Bing Bang foi a empresa que apresentou o preço mais baixo, de 18 mil dólares, enquanto a proposta aceite da THL foi cotada em 84 mil dólares.
Os membros do júri justificaram a sua escolha argumentando que a THL apresentava fios de sutura de qualidade superior, um critério que não constava no regulamento de curso.
Depois de uma avaliação independente proposta pela IGS, chegou-se à conclusão que "todas as amostras de fios de sutura tinham a mesma qualidade" e que "qualquer um deles podia ser adjudicado". Tendo isso em conta, o critério que deveria ter sido considerado na seleção dos fios seria pelo menor preço avaliado.
Já em 2017 a THL tinha ganho um concurso público para o fornecimento de equipamento de laboratório Humalyser 2000/3000 com preços quatro vezes acima do preço de referência, o que deixou suspeitas de sobrefaturação.
Neopharma queixou-se diretamente ao ministro
A empresa Neopharma apresentou uma queixa diretamente ao ministro da Saúde recém-nomeado, Armindo Tiago. O CIP suspeita que as motivações para o acontecimento se prendam com o facto de o ministro ser novo e de ter pouco conhecimento acerca dos procedimentos de contratação pública. Essa reclamação devia ter sido enviada ao júri.
"Por desconhecimento da lei, ou pela influência da Neopharma dentro da instituição e do partido Frelimo, o ministro, ao invés de invalidar a reclamação, recebeu-a e deu ordens ao Secretário Permanente e IGS para averiguar o processo, violando o regulamento de contratação de empreitadas públicas", lê-se no documento.
Fonte: DW