Moçambique integra o conjunto de países em África onde é "necessária uma acção urgente para evitar a catástrofe" decorrente de conflitos activos no continente, segundo um relatório do Conselho para a Paz e Segurança (CPS) da União Africana.
O norte de Moçambique, Líbia, Sudão do Sul, República Centro-Africana, Etiópia, e as regiões noroeste e sudoeste dos Camarões "são seis focos de conflito africanos a observar em 2022", afirma a instituição num relatório divulgado ontem.
No caso do norte de Moçambique, "é necessária uma abordagem mais holística para enfrentar os desafios socioeconómicos das comunidades da província de Cabo Delgado e mais recentemente de Niassa, para onde se expandiu a insurreição extremista islâmica nas últimas semanas.
"Também preocupantes são as ramificações regionais da insurreição de Cabo Delgado, incluindo ligações a países como a Tanzânia, e a possível propagação com o propósito de criação de um eixo extremista de maior escala ao longo do flanco oriental do continente", considera o CPS.
A insurreição extremista de Cabo Delgado está em curso desde o final de 2017. "A resposta lenta levou, desde cedo, à deterioração da situação", considera-se no relatório.
Desde julho último, um destacamento de tropas ruandesas com base num acordo bilateral e depois um destacamento multilateral da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral, ajudaram a reprimir a insurreição e a restaurar o acesso humanitário às populações afetadas, porém, "embora a resposta militar pareça ter empurrado os insurgentes [que nas últimas semanas têm estado particularmente ativos na província vizinha de Niassa, mas também em Cabo Delgado], é necessária uma abordagem mais holística para enfrentar os desafios socioeconómicos das comunidades", afirma-se no texto.
A situação na Líbia não melhorou significativamente após anos de instabilidade e uma grande guerra civil entre 2018 e 2019. O impulso para eleições em 24 de dezembro próximo, ou até essa data, enfrenta a dura realidade de falta de condições políticas e de segurança necessárias à realização de tal evento.
A questão da retirada dos mercenários, entre outros, ainda não foi resolvida. "É altamente improvável que as eleições se realizem e, caso aconteçam, não é claro que atinjam o limiar mínimo de legitimidade", afirma o CPS. "Um governo mal eleito, numa Líbia profundamente dividida, não será uma boa base para a reconstrução do país".
Na Etiópia, não obstante a instabilidade tenha começado por preceder a guerra, que começou em 04 de novembro de 2020, o conflito ganhou desde então ímpeto e intensidade. "Trazer os beligerantes à mesa de negociações é uma prioridade absoluta para parar o derramamento de sangue e sustentar qualquer hipótese de uma resolução pacífica do conflito", afirma-se no relatório da União Africana (UA).
Novembro e dezembro foram marcados por uma tentativa do Governo federal pôr termo aos avanços da Frente de Libertação do Povo Tigray (TPLF, na sigla em inglês) e dos seus aliados, quando as respectivas forças se aproximavam da capital, Adis Abeba e sob pano de fundo de uma crise humanitária em curso em muitas partes do país.
"Os esforços de mediação da UA, liderados pelo ex-Presidente nigeriano Olusegun Obasanjo estão em curso, mas o sucesso continua a ser esquivo". Por outro lado, "seja qual for o rumo dos acontecimentos, conciliar as profundas divisões sociais será um desafio fundamental", sublinha o CPS.
A instituição da UA acusa, por outro lado, o Presidente da República Centro-Africana (RCA), Fausten-Archange Touadéra, de constituir-se como um dos grandes "entraves" à paz no país, a par dos grupos armados.
Os desenvolvimentos indicam que o país "permanece presa num ciclo intratável de violência".
"O diálogo político desejado pela Conferência Internacional sobre a Região dos Grandes Lagos e outros é entravado em grande parte pelo Presidente Fausten-Archange Touadéra, mas também por grupos armados", acusa o relatório.
Touadéra "vacila" entre a consolidação do poder e as ações para derrotar militarmente os grupos armados, que abusam das fraquezas do Estado e da população. "A RCA precisa desesperadamente de uma nova abordagem para uma paz sustentável", sustenta a UA.
Durante os últimos cinco anos, "o conflito no norte e sudoeste dos Camarões não recebeu a atenção que merece dos atores regionais e continentais", admite-se no relatório.
O que começou como protestos por má governação e marginalização transformou-se numa insurreição mortífera, criando uma crise humanitária, sendo que "tudo isto poderia ter sido evitado", afirma o CPS.
"A posição dogmática do governo camaronês e a abordagem militar para a resolução do conflito não ajudaram, e é provável que estas persistam", prevê a avaliação da UA.
Em 2022, África continuará a enfrentar ainda a ameaça do extremismo violento e terrorismo nas regiões do Sahel e da Bacia do Lago Chade, na África Oriental e no Corno de África, e na província de Cabo Delgado, no norte de Moçambique, prevê o estudo.
A ameaça "pairará também" sobre os países costeiros da África Ocidental. A situação no grupo de cinco países do Sahel (G5 - Burkina Faso, Chade, Mali, Mauritânia e Níger) não diminuiu, causando insegurança e crises humanitárias.
Burkina Faso, Mali e Níger, em particular, têm assistido a ataques contínuos. A zona fronteiriça de Liptako-Gourma entre os três países permanece altamente volátil, com uma ameaça terrorista, violência intercomunal e crime organizado transnacional. "Não se espera que esta situação se altere significativamente em 2022", estima a UA.
O Governo do Burkina Faso tem vindo a ser cada vez mais pressionado pela população burquinabê para enfrentar de forma decisiva o extremismo violento, e o Mali e Chade estão a meio de "transições políticas" que lhes retiram capacidade para lutar contra o terrorismo.
Fonte: NM